sexta-feira, 14 de agosto de 2009

ARTE POÉTICA TROVADORESCA

1. Definições da Arte de Trovar (1)

E porque alguas cantigas í há en que falam eles e elas outrossi, per en he bem de entenderdes se som d'amor, se d'amigo: porque sabede que, se eles falam na prima cobra e elas na outra he d'amor, porque se move a razon d'ele (como vos ante dissemos); e se elas falam na primeira cobra, é outrossí d'amigo, e se ambos falam em ua cobra, outrossi é segundo qual deles fala na cobra primeiro.

Arte de Trovar (introdução ao CBN), cap. IV

Cantigas d'escarneo som aquelas que os trobadores fazen querendo dizer mal d'alguen en elas, e dizen-lho per palavras cubertas que ha]an dous entendimentos, pera lhe-lo non entenderen... ligeiramente: e estas pala­vras chamam os clerigos "hequivocatio' E estas cantigas se podem fazer outrossi de mestria ou de refram.

(..) Cantigas de maldizer son aquelas que fazem os trobadores descubertamente: em elas entrarám palavras em que querem dizer mal e nom averám outro entendimento se nom aqud que querem dizer chãamente.

Arte de Trovar, caps. V e V

Outras cantigas fazem os trovadores que chamam tenções, porque son feitas per maneiras de razom que um haja contra outro, en que el diga aquelo que por bem te ver na primeira cobra, e o outro rsponda-the na outra dizendo o contraíra.

Estas se podem fazer d'amor ou d'amigo ou d'escarnho ou de maldizer, pero que devem de ser de mestria.

Arte de Trovar, cap. VII

Porque alguns trobadores, pera monstrarem moor mestria, meteram, en sas cantigas que feze­ron, una palavra que nom rimasse com as outras, e chamam-lhe "palavra perduda" E esta pala­vra pode meter o trobador no começo ou no meio, ou na cima da cobra, em qual lagar quiser.

Arte de Trovar, cap. II do quarto capítulo

(1) Os primeiros fólios do Cancioneiro da Biblioteca Nacional contêm um tratado anónimo de poética, a chamada Poética Fragmentária ou Arte de Trovar. Este tratado é muito incompleto e levanta muitos problemas de interpretação.

2. Glossário de conceitos essenciais

Pastorela - cantigas de origem provençal, geralmente iniciadas pela fala do cavaleiro que declara o seu amor a uma pastora. Este género, entre nós, adquiriu algumas características das cantigas de amigo - ambiente rústico, simplicidade da donzela -, pelo que se integram, habitualmente, neste género de composições trovadorescas.

Serventês - composições que reflectem a influência provençal (sirventés ou serventois provençal) e que servem para exprimir ideias morais ou a sátira pessoal, literária, política ou social.

Copla ou cobra - estrofe.

Coplas uníssonas - estrofes que obedecem ao mesmo esquema rimático, numa determinada composição poética.

Coplas singulares - cada estrofe da composição poética possui um esquema rimático diferente.

Coplas monórrimas - cada estrofe mantém a mesma vogal rimática.

Paralelismo - repetição estrutural e/ou semântica. Repetição na estrofe par da ideia da estrofe ímpar, havendo uma semelhança formal. O processo encadeia-se de modo a constituir uma unidade rítmica e semântica.

Refrão - repetição de um ou mais versos no fim de cada copla.

Leixa-pren - repetição do 2.º verso da 1.ª estrofe no 1.º verso da 3.ª estrofe e do 2.º verso da 2.ª estrofe no 1 verso da 4.ª estrofe, e assim sucessivamente.

Finda - estrofe curta que remata a composição poética.

Encavalgamento ou transporte - processo poético que consiste em completar a ideia de um verso no verso seguinte, não coincidindo, portanto, a pausa métrica com a pausa sintáctica.

Atafinda - processo poético que consiste em levar o pensamento, ininterruptamente, até ao fim da cantiga, usando para isso o processo de encavalgamento na articulação das estrofes. A Arte de Trovar designava estas composições "ateudas".

Dobre - emprego da mesma palavra, na mesma posição no verso, em diferentes coplas.

Mordobre ou mozdobre (mots doble = palavra dupla) - emprego repetido de diferentes flexões de uma determinada palavra.

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